domingo, 25 de maio de 2014

[Contos de Josephine] Ela queria o momento que ele não podia proporcionar ... por enquanto ou para sempre?


17:00 horas e o tempo havia parado. Era como se os relógios tivessem escolhido se manifestar e impedir que os segundos continuassem a passar.

Ela ainda tinha o que fazer e seu dia parecia mal ter começado.
Andando pelos corredores esperou o celular tocar em um mundo onde celulares não tocam mais com romantismo ou com palavras que te tirem o ar e o equilíbrio das pernas ...

Trocou uma palavra ou outra e permanecia observando que nada do que ela estava procurando existia naqueles olhos, naqueles sons, naqueles movimentos pré-programados. Aquelas pessoas já haviam sido infectadas e sequer sabiam disso. Mas ela sabia.

Desceu o elevador na esperança de finalmente respirar liberdade. Catraca, o boa tarde e bom descanso aos seguranças. Estariam eles ali para evitar que os infectados fossem incomodados? Se estavam já haviam sido abduzidos pela sedução do sorriso dela. São dias em que gentileza e respeito estão em falta e seduzem quase instantaneamente, principalmente vindos dela. Não são as palavras, é a atitude. E hoje em dia ela percebe que nem as palavras existem mais.

Ao invés de sair pelo canto de sempre, escolheu girar e quis que o peso daquele giro fosse eterno e que fosse possível manter um giro novo no mundo baseado em seus valores. Acordou. O cheiro de asfalto a fez lembrar da realidade e a tirou do prumo mais uma vez.

O telefone não tocou, sequer vieram as mensagens. Era mais um dia em que ela atravessava a rua de sempre, com os barulhos de sempre, com as corridas de sempre, com os infectados de sempre.

Ela vivia como uma bomba relógio, com um "timer" que parecia ser aleatório. Por vezes mais 5 min, outras 50 anos. Ainda a espera de um sequestro relâmpago, de flores, de paz. Os infectados não. Eles esperam por outras coisas que não fazem o mínimo sentido pra ela.

Lembrou que estava escurecendo e que era hora de desistir naquele dia. Por um instante, mesmo que para desistir apenas daquele dia, ela entendeu claramente como eles vivem ao seu redor. Entendeu que eles desistem a cada instante. Desistem de ser eles mesmos, desistem de serem loucos, desistem do segundo em que estão vivendo.

A febre causada pela infecção atinge fortemente os sentidos, e ela sabe disso.

Os olhos passam a querer enxergar o que não foi feito pra ser visto e nesse esforço desumano trazem distorções inimagináveis: o que é belo deixa de ser belo. O que é inútil e supérfluo ganha força.
O tato passa a servir apenas como instinto puro e carnal, pouco explorado e sequer é notado pelos infectados. As sensações invisíveis não são mais percebidas.
O olfato passa a ser usado apenas como sobrevivência e para distinguir o que já estragou do que ainda "serve". Não se percebe mais que aquele cheiro pode representar a maior conjunção de seres que o universo já proporcionou, aquela, própria dos que se permitem ser invadidos por amor e por aventura.
A audição fica restrita e leva a crer que o os rastros por traz de uma doce voz não existem mais, ou não faze sentido. Fica impossível reconhecer aquele som que te apazígua e põe em paz as células.
O paladar é distorcido. Os gostos se confundem e eles passam a achar que a maioria dos gostos são parecidos demais, líquidos demais, doces demais, amargos demais, secos demais, são demais ... demais para que seja possível entender qual o gosto do universo que não deve ser jamais dispensado.

Ela sabe disso e para em um ambulante para comprar chocolate. Ela ainda sente que existe esperança, existe esperança naquele pedaço de doce ... talvez ainda exista esperança.

Ela quer o mundo, ela quer olhar nos olhos e ver o mesmo que ela reproduz no fundo da alma. Ela quer proporcionar silêncios e sons. Ela olha os prédios ao seu redor, os detalhes do pipoqueiro, ela sente o cheiro do vento e o que ela quer com isso tudo é ser mais e além. Ela quer atitude, ela quer decisão, ela quer tudo aquilo que ela também estaria disposta a oferecer ao mundo.

Ela viveu mais um dia, são 17:15 e estes foram outros 15 minutos em que nada aconteceu. Os disfarces foram os mesmos. Eles continuavam infectados e ela ainda tinha esperança que, ao contrário do que tudo indicava, ele não houvesse sido contaminado e abduzido para um mundo sem graça, sem cor e sem objetivos e valores.

Ela ainda tinha esperança que existissem outros, que assim como ela, eram capazes de olhar prédios, pessoas, ver movimentos e gestos e enxergar almas. Que assim como ela entendem o não dito, sabem compreender o que não foi explicado e que são capazes de se emocionar com velhinhos fofos que acompanham a reconstrução do que o suor deles um dia construiu.

Ela não sabe mais se ainda resta alguém que não esteja infectado. Mas ela anda, tropeça em pedras portuguesas como se estivesse não aqui, mas andando em uma calçada universal, global, cada passo um estado ... cada respiro um país ... cada sorriso uma abdução, como se seus sorrisos fossem capaz de salvar aqueles que talvez ainda tenham salvação.

Ela sobe no ônibus e declara desistência por hoje. Só por hoje ela precisa descansar ... guarda os sorrisos, banha os olhos com uma solução de água e cloreto de sódio ... só por hoje. E não dura muito ... ela desiste de desistir e antes ainda que o ônibus parta ... ela percebe que não pode ignorar que sabe, que ela já sabe, que muitas vezes, o que é eterno pode durar apenas um segundo.

Ela parte, são 17:19 e outro dia já começa a contar.

Ass. Amigo de Josephine










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